Friday, November 05, 2010

Final Feliz

julgava-me capaz de tudo. ares de princesa, corpo de menina-mulher, jeitos de ninfa inocente, provocações de diva. guardava na palma da mão a vontade de conquistar o mundo e de ser quem quisesse. sem esperas, nem demoras. sentia-me altiva, debruçada numa torre de marfim, protegida de duendes e gnomos dos contos de fadas, recostada na cadeira forrada a veludo vermelho. chamei-me de única, quis o sol só para mim, tomei banhos de mar fora de horas na companhia da lua. fiz-me de inteira e perdi-me no labirinto das grandes certezas que há no mundo. enfeitei-me de anjo, de céptica, de descrente. acreditei só na verdade que os meus olhos ensinavam, nos aromas que os meus lábios provavam, na areia quente que os meus pés podiam conhecer. e gostar. fiz-me também de sábia, contadora das histórias dos outros, usurpadora de todos os espaços vazios. ri-me até me fartar do riso, trocei da semântica da coisa chamada felicidade, mandei calar os vendilhões de sonhos.

até tu chegares.


vieste sem cavalo branco, montado na fatalidade da madrugada que acorda em alvorada. inacessível, inevitável, intenso. como só tu podes ser. ousado. mostraste-me, sem te pedir, que uma bússola também se zanga com o norte, e que o caminho faz-se a andar, mesmo quando há neblina a esconder o horizonte. pediste silêncio para ouvir os trovões e as gotas de chuva a encontrar chão. falaste baixinho para salvar o momento do barulho das nossas vozes. decidiste o que era ou não importante, fizeste um decreto-lei sobre o certo, trancaste o errado num baú. deitaste fora a chave. cantaste à lareira um samba sobre abandono, rabiscaste umas notas de amor para sempre num guardanapo de papel. e queimaste-as. esbarraste nos meus olhos e correste porta fora. sem parar, nem hesitar. como só tu podes fazer.

não voltaste.
(adeus).

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