Tuesday, May 25, 2010

Venham mais cinco, por favor

diz duas ou três coisas sem sentido num fôlego só, mergulha no mar e brinda com a lua cheia, ri só porque sim porque tem de ser, elogia um desconhecido que se senta ao teu lado no banco de jardim. fotografa as primeiras rugas, dança sem música numa sala de luz apagada, começa a ler um livro pelo fim. entra no cinema a meio do filme, perde o comboio por um minuto, brinca ao faz de conta com as crianças do teu bairro, salta o muro para roubar um malmequer. deita-te nua numa praia de ninguém, espera pelo pôr do sol que a noite traz de mansinho. viaja sozinha, apanha boleia para destino incerto, arruma aquelas coisas que ficam sempre para depois. aprende a tocar viola numa noite de serenata, dorme ao relento, acorda antes da alvorada. escreve uma carta ao pai natal, festeja o carnaval numa tarde de verão, dá o teu nome a uma estrela. deita fora o que não serve, guarda numa gaveta o que já é passado, atreve-te a fazer planos que não interessam a mais ninguém (senão a ti).

deixa-te levar, perde-te, encontra o norte numa bússola qualquer mas saboreia, sempre. a vida não te pode pedir mais nada senão isto de tratar a felicidade por tu.

Saturday, May 22, 2010

O sumo que sabe a pêssego

ela gostava de lhe falar de amor. gostava de contar histórias com romeus e julietas e de dizer, com os olhos cheios de tudo, que o amor é mesmo assim, feito de magia e de coisas impossíveis. ela gostava de abraçá-lo e descobrir com ele, todas as manhãs, que o primeiro dos abraços tem sabor a chocolate e se veste de lilás. ela gostava de viajar com ele de mãos dadas e esquecer-se do bilhete de regresso em cima da cama, porque o amor prega dessas partidas.

ela julgava que todas as coisas eram grandes e importantes, como aquele amor. como o seu amor. julgava que a chuva lhe limpava as feridas e o sol acordava de propósito para lhe dar um beijo de bom-dia. só para ela e para o seu amor. até que descobriu, num desses dias comuns, que o amor afinal tem vida própria e também ri e mente e abandona.

sem o avisar, foi-se embora. sem avisar ninguém, ela foi-se embora. e em silêncio virou costas ao amor.

Tuesday, May 04, 2010

O que eu sei

de ti,
as entrelinhas do meio sorriso, o quase abraço quando me olhas em silêncio, as palavras na hora certa e as que guardas no bolso de trás. as pernas que correm mais do que o fôlego e o querer tudo para ontem, porque viver é urgente. o balanço do que não partilhas e o luar que conquistas quando revelas mais do que afinal não é só teu.

de mim,
a timidez disfarçada num olhar que não se desvia, as pedras que arrumo da calçada num passeio sem destino. o toque que sabe a mar salgado, a luz incendiada do cabelo em desalinho. os planos com hora marcada e os encontros que ainda estão por acontecer. os brincos escolhidos sem acaso num brinde que não se repete. os dedos pequenos que escondem contos de fadas, porque sonhar é preciso.

de nós,
as mãos dadas quando o tempo se esgota, as voltas ao mundo sem sair do sítio, os sonhos adiados no banco de jardim, as histórias para contar, os dias e noites sem nome. os desertos atravessados de uma vez só, os oasis perdidos num recanto qualquer, as flores sem data anunciada, os hinos e romances devorados junto à lareira que não se apaga. a paixão de um momento que não quer ser amor, a ternura infinita da porta entreaberta que conquista o desencanto. o resgate da infância que não se perdeu pelo caminho, o lugar certo para ficar em dias de chuva, a queda livre quando não há nada a temer.

e o tanto que fica por dizer (porque é nosso, como sabemos)