Sunday, July 24, 2011

Num destes dias

Se eu e tu fossemos mais do que modo condicional de amar seríamos um tango. Vermelho paixão rendido ao branco para sempre. Se acreditássemos em castelos sem areia, cavalos brancos ao fim da tarde, andorinhas num colo sem dono, janelas com vista para a lua, haveria sempre primavera ao virar da esquina. Se nos tentássemos ser mais dia, menos noite, nenhuma estrela precisaria de cair para o desejo virar promessa. E todas as madrugadas adormeceriam aninhadas entre o meu sorriso e o teu ombro. Se tu quisesses, e eu tivesse o sim na ponta do coração, o sofá poderia ser – nosso – chão, tecto e casa. Se o simples fosse mapa do tesouro, e vento apontasse para norte, seríamos poetas, trovadores, nómadas em terra de alguém. Seríamos faz de conta que afinal é verdade. Salteadores de palavras escondidas no fim do arco-íris. E saberíamos, quase sem hesitar, que é lá onde o ‘nós’ aguarda por resgate.

Tuesday, July 05, 2011

Sem encore

Não tenho mais nada para dizer. Ponto final,
quase,
parágrafo.
Muda de linha e de estilo, reinventa novos usos para os verbos cor-de-rosa. Faz de conta que não sabes nada sobre nada e aprende a juntar as sílabas de um primeiro beijo. Deixa que o frio na barriga tome conta de ti e te faça refém numa colmeia de borboletas. Evita exclamações, vírgulas e reticências. A vida é corrida, quer-se inteira, sorve-se num fôlego. Esquece-me. Risca tudo, vira a folha, deita fora o livro. Não alimentes boatos, não forjes segundos sentidos. A nossa história acabou e a cortina caiu. Não sobrou mais nada. Acabou. Não adianta insistir, bater palmas, pedir bis. Ninguém nos vai salvar com um encore. A música não renasce das cinzas, isso é uma tolice. Deixa que o silêncio leve de vez o nosso coração para um lugar recôndito onde ninguém perceba de amor. Respeita o tic-tac do relógio. Permite-te respirar outros cheiros além do meu. Vê mundo, vê gente. Apaixona-te. Desencanta-te. Volta a apaixonar-te. Não há nada de misterioso no gostar. Só há gostar. E cair em voo livre. Cair sem ter medo de cair. Porque a entrega é que dá ritmo à coisa, não o medo. Liberta-me. Rasga as cartas, os bilhetes, não te esqueças das memórias. Faz reset e delete para sempre. Não era suposto ser assim mas a vida é teimosa e não dá o que queremos. Só o que precisamos, quando precisamos. Não adies. É hoje, meu querido menino trovão, é já hoje que precisas de me sentir a ir embora. Neste instante nem são os meus dedos que agarras, são castelos na areia e uma onda está a aproximar-se. Devagar. Mergulha devagar no nada que aqui ficou. Eu prometo: amanhã o sol vai pegar-te ao colo, como eu nunca soube, e dizer-te ao ouvido aquelas coisas mágicas que não cabem no meu dicionário.

Monday, July 04, 2011

Saberes

Se calhar já sabíamos que ia ser assim. Um jogo do rato e do rato sem cronómetro, corrida contra a razão, o coração, contra nós. Um desespero de causa enamorado por um acaso. Um qualquer nada a desejar que tudo aconteça. Porque as coisas urgentes querem-se já, depressa, depois é tarde demais e é para os outros. Nós já sabíamos que ia ser assim. Nunca adormecemos em gaiolas, fizemos da brisa a nossa casa, fechamo-nos em castelos. Armamos barraca no alcatrão das madrugadas, usurpamos a lua e obrigamo-la cantar só para nós. Rimos das coisas sérias que nos contavam sobre o amor. Desacreditamos. É natural, por isso, que o sentido das coisas se tenha esquecido de nós. Ou que se tenha cansado de correr. Até os teimosos desistem quando deixa de haver estrada para andar. Há sentimentos assim: que vivem além dos corpos. Que insistem em ser gente além da gente. Que têm taras e manias, aparecem e desaparecem sem deixar rasto, sem deixar chão. Mas nós julgamo-nos superiores e quisemos-lhes sentir o cheiro, o gosto, o toque. Quisemos olhar nos olhos esses sentimentos demolidores que consomem espaços, lugares, pessoas. Quando eu teimava em querer-te perto tu fazias birra e viravas-te para o lado. Onde eu não estava. Eu desesperava e fingia que o mundo me interessava. Tolice. O meu mundo eras tu, até quando eu fugia numa estrela cadente. E quando finalmente me esquecia do cheiro do teu sorriso batias-me à porta com as mãos cheias de promessas. Lembras-te? Eu, que nunca gostei de intrusões, calava-te com um beijo de boa noite e mostrava-te o caminho do elevador ‘hoje não estou para ninguém’. E passavas a ser esse ninguém opaco que só estorva, uma mobília antiga que não se deita fora por vergonha. Tu ignoravas as minhas birras e esperavas. Insistias. Pedinchavas algumas migalhas de atenção enquanto ansiavas pelos meus dias de sol. E quando eles chegavam não havia paredes nem janelas e o verão entrava-nos porta adentro sem pedir licença. Nos raros momentos de lucidez chegaste a confessar, entre almofadas, que era a tua melhor metade. Eu ficava feliz até ao tecto sem o denunciar. Não sei se por medo ou por vergonha. Nunca nos entendemos nas palavras. Se calhar nem nos gestos. Olhando para trás, acho que nos amámos. Na altura dizíamos que era só um gostar passageiro. Como se o amor tivesse tempo para se passear de carruagem em carruagem à procura do melhor lugar. Como se fosse tão seguro de si. De cada vez que a nossa boca insistia em tal disparate as nossas mãos mentiam e mergulhavam para o abismo: o tal amor disfarçado de gostar muito. Mais que muito: demasiado. Gostar tudo o que havia para gostar. Esgotar a coisa de tanta vida. Usá-la muito. Abusar dela até ficar gasta. Como nós fizemos, meu amor.