Tuesday, November 27, 2007

Amar, depois de Amar...

chegou atrasada (um hábito dos últimos tempos). a chuva que há muito ameaçava, teimou em cair naquela noite. lembrou-se do que ficou para trás e sorriu ao pensar que tinha sobrevivido aquela tarde. a mais uma tarde depois daquela em que tudo mudou.

ganhou forças e abriu num impulso a porta do carro que queria permanecer fechada. lá fora o vento embalou-a com força para um jantar forçado. "faz-te bem sair" - diziam há uns dias atrás as amigas preocupadas, ao que ela respondeu com um "sim" abafado pela vontade de ficar aconchegada no ninho. desejava, mais do que nunca, estar em paz.

ao entrar no restaurante, reparou que só conhecia três amigos do grupo que se juntou naquela mesa. passou os olhos por todos, sorriu timidamente, e respirou fundo quando encontrou o seu lugar. os amigos perceberam e abraçaram-na com carinho. há muito que não a viam, e nas últimas vezes em que a viram ficaram esmagados pela tristeza que entretanto pairava no seu olhar. quase um ano depois de tudo, ela ainda mantinha essa tristeza, mas havia recuperado a força e a intensidade que sempre a distinguiram. ganhou enfim a lucidez de quem sabe que dar valor ao que tem, e não ao que quer ter.

percebeu o que os amigos lhe queriam dizer nas entrelinhas e sossegou-os com um "está tudo bem", mais do que nunca, sentido. e assim se passaram minutos e algumas horas. quando deu conta das horas , já se tinha perdido na conversa com um desconhecido que se sentou ao seu lado. uma conversa descontraída mas suficientemente interessante para fazer esquecer o cansaço de uma tarde que parecia não ter fim. e enquanto as palavras fluiram com uma naturalidade surpreendente, não deixou de reparar nos olhos, nas mãos e na segurança de uma voz que lhe parecia tão familiar.

por isso não hesitou na resposta quando ele lhe perguntou se ela queria sair para um copo numa noite destas. sorriu, porque não se lembrava da última vez em que um desconhecido lhe roubava a atenção. a intensidade dos sentimentos desconhecidos começaram a afastá-la. daí os ter arrumado numa caixa bem escondida que entretanto foi encontrada com este convite inesperado. mas, desta vez, rendeu-se a um "porque não?" que, mais do que nunca, fazia sentido. afinal, estava na hora de sair do casulo.



de regresso a casa, ao entrar no carro, sentiu um arrepio. não de frio, mas de medo. o medo que só tem quem reconhece a possibilidade de amar, depois de amar.

Monday, November 26, 2007

Uma nova oportunidade...

então é esta a sensação. é este o sentimento que descobrimos em nós quando somos surpreendidos pela vida.

o vazio que inicialmente nos preenche, dá lugar a algo novo, igualmente intenso. é como se uma lufada de vento nos trouxesse o alívio que há muito desejavamos. e quando o abraçamos e a ele nos entregamos, percebemos enfim que a maior surpresa que a vida nos pode dar é mesmo esta...


a oportunidade de começarmos tudo de novo.

Monday, November 12, 2007

Marcas do Tempo...

teimam em dizer que desapareceste. como se alguém pudesse sumir assim, de um dia para o outro. é verdade que te procuro, nas ruas, no olhar de desconhecidos, nos cheiros esquecidos da cidade. mas também é verdade que te encontro, tantas e tantas vezes, nas ruas, nos olhares de desconhecidos e nos cheiros que tanto se parecem com o teu.

ainda há dias parece que te ouvi a perguntar como andava a minha vida. "num reboliço", respondi eu, a convencer-me de que estavas mesmo a ouvir. a convencer-me que permanecias comigo nestes tempos inquietos e intensos e velavas por um futuro mais tranquilo.

mas teimam em dizer que morreste. há já alguns meses, reiteram. e eu peço para que se calem, porque há palavras que ferem como punhais e abrem feridas demasiado recentes. não quero ouvir, nem sequer aceitar, pelo menos por enquanto.

estás aqui, eu sinto. e isso basta-me.

Thursday, November 08, 2007

Estranha em Mim...

vagueias sem saber aonde esse caminho te leva. trazes as mãos geladas da brisa que trespassa o nevoeiro que se instalou em ti. olhas o que te rodeia com a calma e a tranquilidade de quem já aprendeu a não esperar muito. na verdade, não esperas sequer. vives e ponto final.

mesmo assim não desistes. e ainda te esforças por acreditar e confiar mais. aprendeste que nem tudo é preto ou branco e que, muitas vezes, o cinzento pode ser uma boa opção.

Tuesday, November 06, 2007

a Casa...

foi como se estivesse à minha espera.

com uma prudência ansiosa e silenciosa, olhei em redor e fotografei longamente as paredes vazias e os móveis que ansiavam por companhia. e assim me deixei ficar, finalmente, sem pressas nem palavras, pois estragariam o momento.

queria sentir-me parte daquele espaço (que também é parte de mim). e fundir-me num embalo prolongado e demorado.

não me lembro quanto tempo passou, nem o que entretanto se presenciou fora daquelas paredes. tudo o que importava verdadeiramente estava ali. apercebi-me então que a vida em estado bruto era "aquilo". a vida com tudo o que vou aos poucos recuperando e com o que vou descobrindo. a vida, agora, nesta casa (a minha).