Tuesday, October 26, 2010

Quase perfeito

chega-te para lá, longe, não tão perto. estás perto demais. não ouves? depois, quando te cansares de estar sozinho, volta para mim, não precisa de ser já, sossega. nem precisas de dizer nada, basta dares-me a mão. eu sei ler-te, o silêncio é tão bom e as legendas são inúteis, sei da falta que nos fazemos, sei mais do que consigo saber, mais do que quero. não vou forçar. o que julgas? nem pedir. só voltas quando a nossa ausência te atravessar o peito como um punhal ardente, embora não perceba de armas nem de curativos. voltas, quem sabe, quando a nossa ausência ocupar todos os espaços que julgavas teus e vazios. ou quando me quiseres contar que me esqueceste, tanto faz. voltas quando tiver de ser, porque sim, porque não há tempo a perder, porque já nos perdemos. eu sei que voltas. e quando chegares, pé ante pé, fala-me baixinho daquelas coisas incríveis que vamos ser um dia, das pontes que atravessaremos juntos, das corridas desenfreadas pela praia e das chegadas ao topo da montanha só para dizer ‘tchau’ ao mundo lá em baixo.

e chegaste, de novo, enfim. estás de novo tão perto, caramba. tenho medo, não percebes? eu sei lá se chove ou se está sol, se faz frio ou calor, chegaste e é o importa. reparei que nem fizeste a barba, não faz mal, eu também não trouxe o vestido novo que comprei a pensar em ti. se calhar foi da pressa de nos vermos. ou desleixo. por um instante lembro-me de perguntar se tens comido bem, mas no instante seguinte fazes-me esquecer as perguntas enquanto rodamos num beijo com sabor a mel e nozes. tens de parar com essa mania de evitar as minhas perguntas, pior, de trancar os pontos de interrogação a sete chaves no quarto dos fundos. não paremos é de rodar, por favor. mais um beijo, isso, mais um daqueles que dura uma estação, um ano, uma vida, se quisermos.

quero dar-te colo, mas não penses que é por te sentir triste. dar-te colo, só, não percebes? e contornar com o dedo indicador a linha das tuas sobrancelhas, passar depois pelas bochechas, brincar com a ponta do nariz, descansar na boca. mergulhar nesse teu cheiro até lhe sentir as entranhas, sem estranheza, estou acostumada. quietude por fim. deixar-te roubar o meu perfume, adivinhar-lhe todos os aromas e lugares por onde passou, ouvir-lhe os segredos sem abrir a boca de espanto. quietude, mais uma vez.

sim, podes ralhar comigo, gostas tanto, eu sei. também gosto, já sabes. deixa-me então brincar com as tuas pestanas enquanto ralhas por me ter esquecido das chaves de casa, de comprar a comida da gata, das contas por pagar e eu sei lá mais o quê. deixa-me, assim, rendida e com os pés a roçar ao de leve no arco-íris. falta-me ainda ouvir o que tens a dizer até ao fim, sem interromper, desculpa o mau hábito. desculpa, mas tenho de sorrir. por mim, por ti, por nós. não aguento, não vês? e num segundo que não se atrasa, sorrio-te, baixinho e devagarinho, para não assustar os vizinhos nem alarmar o casal quase-perfeito que se passeia à nossa frente.

sorrio e juro, prometo se fizeres questão de formalizar, que desta vez não vou soltar a tua mão da minha.

e sorrio, de novo.

2 comments:

CLÁUDIA said...

Eu tiraria o "quase" do título, porque para mim o texto está mesmo perfeito. :)

Teresa said...

Lindo texto. Sorrir e começar..de novo. Sempre. Bj