Tuesday, December 14, 2010

Ou não

quem te escreve não é senão a parte de mim que sobrou da rajada de vento que trouxeste pendurada no casaco. quebrei no momento exacto em que pousaste as tuas mãos nas minhas e as deixaste, ancoradas, no fundo das minhas costas. não te lembras do momento exacto, bem sei. não faz mal. há muito entendi que as lembranças não passam de um fantasma vagabundo e solitário. de uma força destruidora e silenciosa que invade todos os espaços vazios e os preenche de ar, irrespirável, que não se renova. desfiz-me em pedaços de matéria e cinza à velocidade da luz do teu olhar, o mesmo olhar que (ainda) os revira do avesso com as quase-promessas atiradas à mercê do acaso. explodi de prazer de cada vez que teimavas procurar o epicentro da minha dignidade. e, depois de o encontrares, implodi de raiva por te tardares em ir embora, por ficares esquecido ad eternum no calor do meu colo, por contrariares a certeza das horas e os minutos, por jurares que o amanhã só chega quando se ordena. rendi-me ao teu encanto maldito como o sol se rende à lua. para quê contrariar a inevitabilidade da natureza, afinal? deixei que me despisses sem pudor, sem embalo nem compasso, com a urgência de um explorador que procura um diamante em bruto. depois de ficar nua consenti que tatuasses, lentamente, o teu nome em maiúsculas no meu peito. não disseste o porquê (nunca dizes, de resto) mas percebi - para não esquecer, nunca, que o coração foi tomado de assalto,

por ti.

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