Monday, December 27, 2010

Faz de conta

podes fingir, eu não me importo. adoro brincar ao faz de conta, nunca te disse? finge que gostas de mim, juro que não me importo. finge que toleras o mimo desmesurado, as zangas e birras arremessadas sem aviso prévio. finge que suportas a ironia mordaz, a voz quase-rouca, a blusa transparente e a saia travada sem espaço para rodeios. perdoa-me e distrai-me com uma história de encantar. qualquer uma. guarda para ti o ‘viveram felizes para sempre’, não aprecio vaticínios. finge que desejas o meu corpo, finge que o embalo da minha anca te confunde e conduz à perdição. finge que descobriste algures, entre o meu pescoço e o teu umbigo, a essência da felicidade ou de qualquer coisa que está ainda por inventar. já agora, vê se calas a gargalhada das minhas mãos entrelaçadas nas tuas (não é por mim, nem por ti, mas os vizinhos não dormem há dois dias). finge que gostas de mim e que tens planos para o futuro. finge que o ‘nós’ combina comigo, contigo e connosco. comprei a tal viagem de sonho a Veneza, sem querer pressionar deixo a provocação: tem validade de um ano. não te arrelies, sempre tive queda para dramas e compras impulsivas. pega no compasso dos meus passos e compõe um tango para dançarmos numa noite destas. diz alto e bom som que o vermelho fica-me a matar e que o laço do meu vestido combina com o teu cachecol. esquece por um instante o sentido das coisas, por favor, ignora as palavras literais e sem graça. colecciona sinónimos de ‘namoro’ e soletra-os devagar enquanto a lua se despede do sol. promete que não mostras a mais ninguém a ruga-sorriso que brinca deliciosamente com o teu sobrolho. não tenho ciúme, descansa, desconfio é que alguém a compreenda tão bem quanto eu. finge que gostas de mim (como eu gosto de ti). embora me passeie livre e esvoaçante, sou mais tua do que julgas. mais do que te faço crer (mais do que quero). finge duma vez, conheço-te jeitos de actor. se estás perto e te fazes presente, se ocupas e te aproprias de todos os lugares que o meu olhar alcança ou imagina, então explica-me por que raio não podes fingir que gostas de mim? não é difícil, prometo. nem vai exigir grande esforço, sempre foste bom a matemática, de resto. romantismos aparte, trata-se de uma equação simples: um mais um (só pode ser) igual a dois.

vá lá, finge, eu não me importo. tenho amor para dar, vender, alugar, trespassar, leiloar se for o caso (tenho amor pelos dois). e não lhe conheço limites.


(quem sabe, um dia, o amor não leva a melhor)

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