podes fingir, eu não me importo. adoro brincar ao faz de conta, nunca te disse? finge que gostas de mim, juro que não me importo. finge que toleras o mimo desmesurado, as zangas e birras arremessadas sem aviso prévio. finge que suportas a ironia mordaz, a voz quase-rouca, a blusa transparente e a saia travada sem espaço para rodeios. perdoa-me e distrai-me com uma história de encantar. qualquer uma. guarda para ti o ‘viveram felizes para sempre’, não aprecio vaticínios. finge que desejas o meu corpo, finge que o embalo da minha anca te confunde e conduz à perdição. finge que descobriste algures, entre o meu pescoço e o teu umbigo, a essência da felicidade ou de qualquer coisa que está ainda por inventar. já agora, vê se calas a gargalhada das minhas mãos entrelaçadas nas tuas (não é por mim, nem por ti, mas os vizinhos não dormem há dois dias). finge que gostas de mim e que tens planos para o futuro. finge que o ‘nós’ combina comigo, contigo e connosco. comprei a tal viagem de sonho a Veneza, sem querer pressionar deixo a provocação: tem validade de um ano. não te arrelies, sempre tive queda para dramas e compras impulsivas. pega no compasso dos meus passos e compõe um tango para dançarmos numa noite destas. diz alto e bom som que o vermelho fica-me a matar e que o laço do meu vestido combina com o teu cachecol. esquece por um instante o sentido das coisas, por favor, ignora as palavras literais e sem graça. colecciona sinónimos de ‘namoro’ e soletra-os devagar enquanto a lua se despede do sol. promete que não mostras a mais ninguém a ruga-sorriso que brinca deliciosamente com o teu sobrolho. não tenho ciúme, descansa, desconfio é que alguém a compreenda tão bem quanto eu. finge que gostas de mim (como eu gosto de ti). embora me passeie livre e esvoaçante, sou mais tua do que julgas. mais do que te faço crer (mais do que quero). finge duma vez, conheço-te jeitos de actor. se estás perto e te fazes presente, se ocupas e te aproprias de todos os lugares que o meu olhar alcança ou imagina, então explica-me por que raio não podes fingir que gostas de mim? não é difícil, prometo. nem vai exigir grande esforço, sempre foste bom a matemática, de resto. romantismos aparte, trata-se de uma equação simples: um mais um (só pode ser) igual a dois.
vá lá, finge, eu não me importo. tenho amor para dar, vender, alugar, trespassar, leiloar se for o caso (tenho amor pelos dois). e não lhe conheço limites.
(quem sabe, um dia, o amor não leva a melhor)
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