Wednesday, October 19, 2011

A insustentável leveza de gostar

Diz-me, por favor, como sobrevivo a mais um dia. A mais um dia deste gostar galopante que me devora a cada segundo e não pára nas meias horas. A este gostar que tatuaste entre o meu peito e o teu chão no último beijo à porta da casa que já te espera quando eu não estou. Às vezes irrito-me e abafo-o com a almofada e o sobrolho. Depois viro-me para o lado, e depressa te encontro no outro lado da cama entre sonos e sonhos. Volta de novo. O tal gostar que te ama, muito, e se enche de vaidade quando lhe dás a mão e lhe prometes um arco-íris logo pela manhã. Que se finge de sonso, surdo e altivo mas só quer saber de ti e das tuas manias de ser perfeito. Que são tuas e são verdade. Diz-me, por favor, como sobrevivo sem me perder no meio do ciclone. Onde se aprende a gostar de ti e a viver no sobressalto deste gostar. Que rouba tempo. E quando não rouba consome. Serve de tecto, de tenda, de lua cheia e céu estrelado. Diz lá, então. Como posso deixar o mundo girar e ouvir que a vida está difícil quando para mim a equação é simples. Eu e tu igual a nós. A uma felicidade feita à medida, um fato de corte geométrico, sem defeitos. Modelo único, versão moderna, relíquia numa sala secreta dum museu. Este gostar é tonto e faz o que quer. E ai de mim que falo a rimar, vejo mapas de tesouro nos sinais de trânsito, o pôr-do-sol na janela da sala. Já para não lembrar dos suspiros, que escapam mais depressa do que as palavras. Dos risos estouvados que fazem eco e acordam os vizinhos. Um dia destes somos motivo de reunião de condomínio e expulsos por justa causa. Diz-me, por favor, como sobrevivo. Como paro este fogo trepidante que ganha vida e corpo quando me abraças e me fazes esquecer que lá fora há uma selva onde ninguém se entende. Ou se ama. Se me explicares, com a mesma calma com que preparas o chá, como posso viver além de ti eu juro, meu amor, que fico contigo para sempre.

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