Tuesday, August 30, 2011

Um bocadinho de quase tudo

‘amanhã à mesma hora, pode ser?’
‘sim.’

Os corpos entenderam-se primeiro. Ninguém pediu nada a ninguém. Era como se ele conhecesse a porta de entrada, e ela a abrisse sem precisar de ouvir a campainha. Sem pressas, nem vagares, ela deixou-o conquistar todos os territórios que, antes dele, foram deixados ao abandono. Pintou os quartos de azul céu e verde água, limpou o marco do correio, abriu as janelas e deitou fora o que restava da outra vida que, entretanto, tinha ficado órfã. Apaixonaram-se em silêncio. Só depois vieram as palavras. A medo. Porque ambos sabiam que as letras – quando se juntam - são mais mentirosas do que as mãos. Começaram por habituar-se aos sons das sílabas simples e só mais tarde, bem mais tarde, deixaram entrar em bicos de pés as conjugações quase perfeitas sobre o amor e a saudade. Quando não sabiam o que dizer, riam-se. E quando o riso acabava ela fazia-lhe cócegas e de novo tudo parecia fazer sentido. Ela tinha-se esquecido das coisas essenciais sobre os pequenos gestos. Ele, céptico convicto, ensinou-lhe o que sabia sobre esquecimento e novas descobertas. E, quase sem reparar, ela deixou-se levar naquela odisseia até ao fim do mundo que, estranhamente, parava sempre ali, naquele espaço interrompido onde as mãos dele agarravam as dela.

‘e se eu não quiser esperar por amanhã? e se quiser agora?’
‘pede, meu amor.’


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