Sunday, August 28, 2011

Adeus verão

Não me deixes adormecer assim. Mal aqui, quase ali, algures sem ti. Entre portas e janelas, abertas, cortinas ansiosas e uma mão cheia de esperança que gela ao mínimo sinal de alarme. Nesta estrada que virou atalho, mata serrada, colchão ao relento, casa abandonada. Não me deixes adormecer assim. Debaixo deste ar teimoso que emudece na tua ausência. Atrás de palavras, gigantes, que falam tudo e dizem muito pouco. Escondida nesta trepadeira de coisas por viver, contigo, ou só para viver. Não me deixes adormecer assim. Tira as teimas, as manias, as fobias. Larga as algemas. Deixa a vida lá fora, à espera, e vem mostrar-me o lugar onde nascem as estrelas cadentes. Quero uma janela com vista para nós, um sofá com pôr-do-sol, uma dança pé sobre pé. Muito riso, pouco juízo, mais sentido que razão. Quero deitar-me na areia molhada dos teus passos, estremecer sem ter frio, dar-te a mão no escuro quando o colo não basta. Quero roubar os tesouros perdidos do teu sorriso, mergulhar no teu abraço de olhos abertos, voar até à lua e adivinhar-te à distância. Quero bolas de neve, bailarinas de cristal, caixas de música e umas quantas histórias que mais ninguém conhece. Quero ler-te entrelinhas, esperar pelas reticências, esquecer pontos finais. Ouvir-te dizer ‘shiu’ enquanto uma qualquer lareira se acende entre o teu ombro e o meu pescoço. Quero esgotar a bilheteira, pedir exclusividade, passadeira vermelha e vestido rodado. Quero brincar ao faz de conta, tropeçar no teu navio pirata e avistar ao longe a tal ilha deserta onde o sol nunca se esconde. Não me deixes adormecer assim. Não assim. Se tiver mesmo de ser promete, com aquele jeito irresistivelmente acertado de prometer, que me encontras logo a seguir no meio dum sonho azul.


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