Friday, November 04, 2011

Caleidoscópio

A família. Todos os amigos. Os companheiros. As confidentes. Quem ainda não chegou. Quem deixei para trás e entretanto esqueci. As minhas coisas. Os meus tempos, compassos de espera, fôlegos, as minhas reticências. O que é só meu, o que é teu, o que é nosso. Os bem-quereres. A lareira acesa, o cheiro a café, a gata no fim da cama. A costa alentejana no verão. Andar de carro, ser conduzida, parar só porque sim, porque tem de ser, porque a vista vale tudo. Escrever. As palavras, em pedaços, duma só vez, feitas num oito ou num livro. Acordar no Porto, anoitecer em Cabo Verde e adormecer em Lisboa. Chocolate quente. Gelado de morango a saber a Veneza. Um concerto na fila da frente. A neve. Passear num bosque de Gaudi e brincar nas Ramblas ao faz de conta. E não contar nada, guardar segredo e inventar outras histórias. A Eurodisney com maça do amor. Aquele filme, a melhor música, o silêncio que não envergonha. Dançar. Perder as horas, chegar a tempo, pedir licença e dizer adeus. Sonhar acordada. Dormir em lençóis lavados. Sentir desejo. Ser desejada. Um banco de jardim à procura de companhia. O cimo da torre Eiffel, a Guernica em Madrid. Relva de deitar e amar a seguir. Incenso e caixas de música. As carteiras das avós. As mãos dos avôs. A praia. Sabonete no banho. Nadar. Covent Garden no Outono e Primavera de mãos-dadas nos Champs-Élysées. Batom vermelho. Ler em voz alta. Perfume de homem. Água de coco e vinho do porto. Ter calor, sentir frio e receber logo a seguir um abraço. Manta-sofá. Salto alto, muito alto. Falar ao ouvido, beijar na boca. Pôr-do-sol no Solar, estrelas cadentes, nevoeiro dos Açores. Sexo. Sexo com amor. Só amor. Sorrir. Chá de menta e hortelã. Uma manhã de Florença, vodka em Lodz, concerto-cruzeiro em Estocolmo. Uma roupa nova. Arrumar gavetas, achar relíquias, usar até gastar, fazer rascunho e queimar. O Lago di Como só para fotografar. Andar à chuva. Caminhadas, pão com nutela, futebol de chinelos, tartarugas a sair do mar. Descansar muito, viver tudo. Querer mais, sempre mais. O frio na barriga. O cimo da montanha e o fundo do mar. Os signos, as verdades universais que não servem para nada, as anedotas. A meninice num vestido de tule rosa. Papel de seda, folhas queridas e um laço branco de cetim. Cartas. Pedir um desejo e não esperar pela realidade. Encontrar. Ser encontrada. E saber que tinha de acontecer.

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