Saturday, June 26, 2010

Era uma vez

às vezes uma vírgula não basta. é preciso um ponto final. um ponto final nos trambolhões na gramática das meias palavras, no olhar de desafio de quem não sabe o que quer, nas fintas das promessas ditas a céu aberto, no sorriso envergonhado da mentirinha que deixou de ter piada. é preciso um ponto final, sim, um grande ponto final. nos sonhos roubados num momento de prazer que sempre termina, nos beijos que chegam tarde e a más horas, e que ainda por cima não se vão embora quando queremos. nas lágrimas que não chegam a cair porque a fonte secou num dia de sol, no rosto que se cansou de ficar à espera na estação de comboios onde outros se encontram. um ponto final, bem marcado, nas noites em que as nuvens são gigantes e cobrem as estrelas e o sono fica esquecido numa outra cama qualquer. no silêncio ensurdecedor da música que ficou nas paredes da sala, e se repete vezes sem conta, no caminho que deixou de fazer sentido a dois.

uma vírgula não basta. é preciso um ponto final. sim sim sim, um grande ponto final, escrito a preto carvão, a estrear o caderno novo. porque as novas histórias merecem ser pintadas numa folha em branco sem reticências ou linhas rectas ou palavras riscadas. e todas, mas mesmo todas, devem começar pelo era uma vez que não tem medo do fim.

2 comments:

CLÁUDIA said...

Gostei demais.

E já perdi a conta das vezes que cá passei só para voltar a ler.

Ou talvez, principalmente, para me convencer da verdade que as tuas palavras encerram.
***

Anonymous said...

Depois de cada ponto final, uma nova frase se inicia... e para se viver essa nova frase, o ponto final terá de permanecer no seu lugar, sem nunca ser esquecido...