Friday, June 10, 2011

Quase verão

É uma espécie de transe. O tempo de espera entre o relâmpago e o barulho do trovão. O compasso entre o aviso e o acidente. O estar perto até ao bater de frente, desamparada, sem cinto de segurança. Quebrar. Gostar de ti é uma espécie de transe. Querer dormir e não ter sono. Rir até às lágrimas. Um arfar desgovernado, um coração a sincopar, um não ter pernas para correr. Um voo de abraços sem poiso certo, um procurar colo na multidão, um baloiçar para o vazio. Escorregar. Quase cair, rasar o chão. Uma âncora presa à alma, uma bóia furada, um navio ancorado numa ilha deserta. Milhas sem sopro de gente. Um haver só tu e mais nada. Ou mais nada interessar além desta tua presença baça e opaca a afastar tudo do caminho. Uma rua sem saída, um atalho para o abismo, um precipício ao virar da esquina. Não ter ar para respirar. Um não saber sequer o que se quer e querer, apenas, querer-te menos. Ou o menos possível. O suficiente para me sentir viva, longe de ti. Desejar-te até ficar sem forças. Gostar de ti é um universo de estrelas cadentes. Uma via láctea com planetas por descobrir, luas e sois em alvoroço, ausência de gravidade. Um andar de costas voltadas para o destino, um prometer que nunca mais se cai na tentação, um arrepender das promessas que não se cumprem. Porque o destino és tu, meu amor, minha tentação, meu pecado, minha sina, meu karma. Minha vida interrompida. Milagre que por um triz não aconteceu, bilhete vencedor de lotaria que me esqueci de comprar. Meu azar, gato preto, espelho quebrado, feitiço virado contra o feiticeiro. Gostar de ti não é só gostar. É mais ainda. É não gostar de mais nada, senão do que (não) me dás.

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