Friday, June 07, 2013

‘Tu não sabes o que dizes’. E ela não sabia, realmente, porque vivia de gestos e ele, primeiro, descobriu as palavras. Cedo percebeu que preferia a companhia dos sinónimos, antónimos e predicados à das pessoas. Era um homem de distâncias e de manter à distância. Estudou códigos linguísticos, equações matemáticas, algoritmos e esquemas lógicos, devorou romances à procura da definição exata para a primeira pessoa do plural. Nunca escreveu uma linha sobre estes assuntos e concluiu, anos mais tarde, que depois das certezas universais existem todas as outras coisas. O medo e a liberdade. A felicidade suprema da partilha. As coisas escorregadias, preciosas e perigosas. Foi mais ou menos nessa altura que a encontrou. E percebeu, num instante, que nem toda a poesia do mundo serviria para decifrar o enigma daquele olhar azul, que lhe aconteceu no verão mais quente de sempre. Desapegou-se das palavras, das lógicas e das razões. Ela entrou-lhe porta adentro sem dar tempo para arrumar a casa e o coração. E às tantas é mesmo assim. O caos e a fragilidade a conviverem debaixo do mesmo teto. A paixão, a sofreguidão e a entrega de mãos dadas com a saudade e a perda. A melodia perfeita e profana que não se encontra nas histórias. Porque o amor é um segredo, que se conta ao ouvido.