Saturday, June 26, 2010

Era uma vez

às vezes uma vírgula não basta. é preciso um ponto final. um ponto final nos trambolhões na gramática das meias palavras, no olhar de desafio de quem não sabe o que quer, nas fintas das promessas ditas a céu aberto, no sorriso envergonhado da mentirinha que deixou de ter piada. é preciso um ponto final, sim, um grande ponto final. nos sonhos roubados num momento de prazer que sempre termina, nos beijos que chegam tarde e a más horas, e que ainda por cima não se vão embora quando queremos. nas lágrimas que não chegam a cair porque a fonte secou num dia de sol, no rosto que se cansou de ficar à espera na estação de comboios onde outros se encontram. um ponto final, bem marcado, nas noites em que as nuvens são gigantes e cobrem as estrelas e o sono fica esquecido numa outra cama qualquer. no silêncio ensurdecedor da música que ficou nas paredes da sala, e se repete vezes sem conta, no caminho que deixou de fazer sentido a dois.

uma vírgula não basta. é preciso um ponto final. sim sim sim, um grande ponto final, escrito a preto carvão, a estrear o caderno novo. porque as novas histórias merecem ser pintadas numa folha em branco sem reticências ou linhas rectas ou palavras riscadas. e todas, mas mesmo todas, devem começar pelo era uma vez que não tem medo do fim.

Sunday, June 20, 2010

O amor também se veste de branco

era um amor que vivia das recordações de um dia de verão, que saltava à corda com as memórias de infância e que nem se deu conta que afinal o tempo passa. era um amor feito dos sorrisos de outrora, da primavera e dos seus pólens, de bancos de jardim acabados de pintar. era um amor arrebatado num fim de tarde tendo apenas o mar como testemunha. era um amor que acreditava em infinito, que se embrulhava de estrelas para dar de presente à alvorada. era um amor que julgava que todas as coisas eram possíveis mesmo quando os outros diziam que não. era um amor sem desviar o olhar do caminho e que corria livre na areia queimada. era um amor que brincava sem fazer de conta porque sabia que a vida traz surpresas inesperadas. era um amor que se alimentava de pequenos gestos, por isso acordava bem cedo para os coleccionar logo pela manhã.

era um amor que um dia esteve em alto mar e que descansou, enfim, numa praia deserta sem lugar no mapa.